A PEDAGOGIA DO JOVEM ADULTO

Tiago Melo
9 min readApr 20, 2020

Como os jovens estão aprendendo atualmente e quem eles estão se tornando?

Não sei você, mas tenho a impressão de que aprender se transformou num fardo, quase que uma cruz, para o jovem adulto hoje. Na verdade, o que parece mesmo é que aprender é uma fase chata (e necessária) para que alguém chegue no objetivo da vida adulta: ganhar dinheiro e ter sua independência existencial. Em outras palavras, aprender é útil aos propósitos individuais da vida pós formação acadêmica. O que não aprendemos com isso (ironicamente) é que aprender é um processo contínuo e inevitável durante toda a vida, mesmo que não estejamos completamente cônscios disso. Somos seres construtores e criadores do mundo que queremos habitar, e aprendemos em todo o decorrer dessa co-criação. Estamos sendo formados no aprendizado, que ultrapassa (e muito) os "espaços" de formação escolar e acadêmica que frequentamos. Ou seja, estamos em contínuo aprendizado, ainda que sem saber que estamos sendo ensinados. E isso pode ser muito grave!

Aprender não é uma etapa para ganhar dinheiro

Você já apostou na loteria alguma vez na vida? Eu já, e acho que você também — sim, vale raspadinha, se é que você se perguntou isso. Você concorda que apostar na loteria é um exercício de auto-sabotagem muito interessante? É como saber que o dinheiro não vem tão fácil assim, mas ter lá no fundo a esperança de que talvez você (e não os outros milhões de participantes) irá levar a bolada de dinheiro porque acertou por intuição os números da aposta. Tem gente que até põe Deus no meio, chutando que os números que vieram à sua cabeça foram revelados (à)la Maomé por Deus.

Bom, acho que temos um paralelo legal aqui. Aprender, para o jovem adulto, é uma mega-sena a longo prazo. Todo mês ele paga uma parcela da aposta na mensalidade da universidade, esperando que, ao concluir sua graduação, a bolada chegue no holerite mensalmente. O que temos aqui, penso eu, é uma visão bem ruim (e insuficiente) da dinâmica e utilidade do aprendizado. Enquanto a formação superior for vista como uma etapa para que o currículo conte com a graduação e Word/Excel avançado, teremos profissionais (de)formados em seu caráter e dominados pela lógica do dinheiro. O que acontece na verdade é que mesmo com essa péssima visão da educação, o jovem adulto continua a aprender por meio de outras vias, que na maioria são igualmente deformadoras.

Como você já percebeu, não estamos falando do aprendizado presente apenas nas formalidades escolares, acadêmicas ou nos cursos complementares das instituições de ensino. Claro, não é nada menos que isso, mas é muito mais! O que estamos enfatizando aqui é a dinâmica humana de estar sempre em processo de formação. Portanto, a ideia de que aprender é uma etapa penosa, mas necessária da vida para alcançar o sucesso financeiro acaba por não fazer jus à própria realidade social, onde vivemos de trocas de informações, de estilos de vida, de personalidades referências (famosos e influencers), artefatos culturais e muitos outros elementos que nos ensinam algo enquanto os consumimos. Em resumo, podemos dizer que já passou da hora de percebermos que a escola, a faculdade ou o instagram são professores eficientes na formação de quem nós estamos nos tornando. Como meu objetivo aqui é falar (mal) do jovem adulto brasileiro, iremos focar em algumas etapas comuns de aprendizado de quase todo jovem passa e o seus gaps formadores entre elas. Pra isso, iremos definir que, aprender é parte inevitável da vida humana, e portanto, pode ser na melhor das hipóteses um estilo de vida de aprendizado intencional.

O gap entre ensino médio e faculdade

Podemos, primeiramente, elencar essa fase e esse gap como um dos principais formadores do jovem adulto. Ao finalizar o ensino médio, mesmo que muito jovem, é inculcado pelas instituições de ensino que o candidato à ascensão social avalie as profissões com bom retorno financeiro a fim de ir se preparando ao longo dos três anos dessa etapa educacional para o (temido) vestibular. Ah, o vestibular! Por medo dele, alguns vão aos cursinhos públicos ou privados e se preparam para entrar numa boa universidade que valha o esforço. Já os destemidos nem se desesperam, pois o que querem mesmo é entrar numa universidade privada com fácil acesso para pular logo essa fase chata de "estudos" — essa palavra geralmente dá arrepio nesse tipo de jovem. Há os que entram direto, mas há os que esperam um tempo até que se decidam do curso e do futuro que os espera na graduação — e há, infelizmente, parcela da população sem condições, nem financeiras nem sociais de pensar no pós escola.

Porém, nesse ínterim (entre o fim do ensino médio e o início da faculdade) algo acontece: seu futuro está sendo mudado para sempre, pois de agora em diante suas escolhas poderão ser tanto bem sucedidas quanto desastrosas. A aposta que será feita no curso desejado pode ou não ser contemplada pelo mercado de trabalho. O dinheiro que será investido no futuro pode voltar como salário ou como acúmulo de boletos. O tempo que será utilizado para as aulas, provas e trabalhos pode servir de experiência futura ou de trauma vocacional. Nesse gap tem de tudo: indecisão, pressão dos pais, das escolas, tem crises de identidade e mais um tanto de coisa que mais atrapalha do que contribui. Por isso, precisamos nos atentar à essa fase e não subestimar o valor formativo que ela tem, pois é justamente aqui que os próximos anos (talvez décadas) da vida individual serão definidos num caminho praticamente sem volta.

Escolher o curso e o ofício a ser exercido também são processos de aprendizado. Dessa forma, é necessário aprender a escolher que tipo de aprendizado queremos ter no futuro, pois isso é parte fundamental dessa lacuna entre ensino médio e faculdade. O fato é que nessa fase, não há dúvidas de que estudar é parte importante do processo, e todos estão conscientes de que terão de gastar suas fichas nos estudos.

O gap entre faculdade e o mercado de trabalho

Mas geralmente o problema da relação do jovem com o aprendizado persiste para o pós universidade. Então, em segundo lugar, quero que preste atenção à essa lacuna entre a universidade e a entrada no mercado de trabalho. Enquanto vai concluindo sua graduação, o jovem sente que em breve se livrará do fardo intelectual e atingirá o nirvana da vida adulta: sua independência existencial e sucesso financeiro. Nesse processo alguns metem a cara em estágios não remunerados (faz parte da aposta), no TCC ou em outras pendências acadêmicas, tentando conciliar sua vida estudantil, amorosa e familiar com o trabalho meio período (ou integral). Chega a cansar só de ler esse parágrafo. Mas o que acontece é que a visão errada sobre a função do aprendizado forma cidadãos avessos à educação contínua, e faz crer que se passando esse (terrível) momento da vida nunca mais terão de encarar a expansão de seus cérebros e coração no processo de aprender.

Quando finalmente o jovem conclui sua graduação e sente que está pronto para alçar vôos na escala social, porém, não se preocupa com a continuação da formação de seu caráter e personalidade, pois não foi capacitado para notar a ligação de sua formação educacional formal com a pessoa que está se tornando. Aqui, penso eu, está a causa da destruição de uma vida de aprendizado: no processo de cursar a universidade (curso técnico, tecnólogo, bacharel ou licenciatura), sua relação com o aprender é meramente utilitária, e o que ele não conseguiu perceber é que isso está formando quem ele é e como ele se relaciona com as coisas que faz. Em outras palavras, sem saber que tinha outros professores, o universitário que só quer o dinheiro depois do diploma não percebe que no mesmo tempo que aprendia as disciplinas formais, também foi se tornando certo tipo de pessoa —geralmente com grande potencial, mas com uma visão magra da vida na relação com o trabalho — dominada pela lógica do consumismo e do sucesso no mercado de trabalho.

O que quero dizer com isso que vimos até agora? Bom, resumidamente isso: ao habitarmos nos ritmos e cotidianos da escola, e depois, da faculdade, nos tornamos certo tipo de pessoa — como diria James K. A. Smith — que não foi prevista na grade curricular. Isto é, esses anos que passamos nas instituições de ensino tiveram um papel fundamental na formação de quem somos, mesmo que não estivéssemos ligados nisso. Quando imaginávamos que os estudos nos seriam úteis para o emprego futuro, não percebemos que nosso caráter e personalidade fizeram mais provas do que nossas mãos em todos os semestres. E diferente dos conteúdos das matérias que empurramos com a barriga e no outro dia já esquecemos, essas provas deixam marcas para toda a vida. Há um grande poder formativo nessas fases e gaps da vida que só podem ser percebidos com a devida atenção. Precisamos de lentes para que vejamos adequadamente os professores ocultos do nosso dia a dia. O ser humano, por essência, é um ser em formação. O aprendizado, através de aulas, trabalhos acadêmicos, e principalmente, por meio de hábitos e ritmos diários, continuará a fazer parte de nossas vidas continuamente, querendo ou não.

Nesse sentido quero avisar ao leitor atento que agora é que cheguei ao ponto principal. Uma pergunta vai nos ajudar a compreendê-lo: quando o jovem adulto não está mais na faculdade (ou MBA, ou qualquer esforço a fim de aumentar o limite do Nubank), quem e como continua o educando e o (in)formando?

A pedagogia para o jovem adulto

Penso que pra responder a pergunta anterior, teremos de recorrer ao nosso dia a dia, mas de forma analítica. Quero te convidar a fazer um exercício filosófico por excelência: dar um passo atrás no que é comum e habitual no seu cotidiano, a fim de refletir sobre o que fazemos diariamente como se fizesse parte de nossa natureza. Invoco, sem citações diretas, as lentes litúrgicas de James K. A. Smith, que nos mostra que os ritmos diários de nossa vida são formativos, moldando nossos amores e nossas expectativas teleológicas, e por isso são descritos como liturgias religiosas — pois estão ligadas ao que é último: o sentido da vida, a existência de Deus, formação de identidade, etc. Assim, se você é um jovem adulto, pense hipoteticamente o seguinte: quais são os hábitos, os gostos estéticos e estilos de vida no qual o jovem adulto é marcado? Quais são os ritmos importados à sua consciência? Pense em como o ritmo da produtividade, a lógica do consumismo, a expectativa da boa vida sucedida (american dream) e o senso de auto-suficiência no perfil do LinkedIn — dentre outras coisas — são formadores de um certo tipo de pessoa. Isso significa que, quando imaginamos ter finalizado a etapa de aprender para entrar na etapa de lucrar, perdemos a noção de que o ensino formal acabou, mas ainda estamos sendo formados.

"E por quem estamos sendo formados?" você pode se perguntar. Ou, "De quem estamos aprendendo depois de sair da faculdade?" podemos indagar. A resposta, novamente, está bem próxima de nós. Basta observarmos atentamente, com as lentes litúrgicas propostas por James Smith, nossos hábitos formadores. Posso elencar alguns professores famosos aqui mesmo: perfis de influencers no Instagram, canais no Youtube de Daily Vlogs que mais parecem de estrelas de Hollywood, livros de motivação (lê-se best-sellers, como esse), Ted Talks com empreendedores de palco, ou qualquer outro consumo, principalmente na internet, de formas de vida que sem palavras nos dizem quem devemos ser e o que devemos esperar desta vida.

Eu sei, quando você leu as últimas frases pareceu conversa das últimas gerações que dizem pro adolescente tomar cuidado com o que se vê na internet pra não ser influenciado. Mas acredite, se dermos um passo atrás nas nossas formas de vida, poderemos ver que nós somos formados por aquilo que fazemos habitualmente, pois essas coisas que fazemos também fazem algo a nós.

Nossos hábitos tem grande poder formativo, configurando nossos amores e, portanto, as categorias pelas quais pensamos e agimos. A exemplo, pense no que já falamos aqui: de tanto ver a educação como uma utilidade ao emprego e dinheiro futuro, acabamos por ter uma relação utilitarista com (quase) tudo que nos relacionamos, desde pessoas em que convivemos até funções que exercemos. Ou de tanto querer ser sucedido financeiramente, acabamos por fazer do dinheiro a prioridade, até mesmo em detrimento de nossas forças físicas. E claro, de tanto viver para nós mesmos, acabamos por nos tornar sozinhos, sem grandes relacionamentos verdadeiros, porque gastamos toda a nossa vida em busca da (mitológica) felicidade. Em outras palavras, não nos livramos do aprendizado e justamente por isso é que temos, urgentemente, que aprender como e por quem queremos ser formados.

O jovem adulto não conseguiu, por mais que queira, ser livre de aprender. Na verdade, se tornou escravo de sua ilusória independência existencial e sucesso financeiro. Sei que até aqui, o que falamos é suficiente, mas vale lembrar: se aprender é inevitável e formativo, por que não obter um estilo de vida de aprendizado intencional? Por que não ser ativo na leitura de livros, na sedimentação do conhecimento, no cultivo de hábitos pedagógicos? Mal não fará. Pelo contrário, teremos a capacidade de aprender e sermos formados por aquilo que sabemos que é melhor para nós.

Por fim, quero dizer que para o jovem adulto cristão e seguidor do Cristo vivo, isso tem dimensões ainda maiores. Afinal, a vida cristã não é outra coisa que não um caminho de discipulado, de formação à imagem do Filho e de cultivo da expectativa do Reino vindouro de Deus. Portanto, nesse tempo presente, o processo já começou, e tanto a educação formal, quanto os hábitos diários na continuação de um estilo de vida de aprendizado intencional, são professores nessa caminhada de obter (in)formação e de se tornar certo tipo de Pessoa.

--

--

Tiago Melo

Quase doutor em Ciências da Religião, autor do livro Neocalvinismo e teólogo nas horas vagas.