Lutero e o espírito protestante

Tiago Melo
4 min readNov 8, 2017
Lutero na Dieta de Worms (1521)

Nesses tempos de comemoração de 500 anos da Reforma Protestante é preciso enfatizar uma grande lição deixada pelo reformador Martinho Lutero para todos nós: o seu espírito protestante. Pra tentarmos definir a o que seria esse espírito protestante, podemos destacar 3 pontos:

  1. A exegese do seu tempo

Lutero como um grande professor e teólogo que era sempre estava fazendo análises da realidade de seu tempo principalmente no campo religioso dogmático. Por ser professor de teologia e monge agostiniano, Lutero estava à par da teologia apostólica e em contraste com o catolicismo do século XVI via uma discordância clara. A obra mais famosa de Lutero fica conhecida posteriormente como as 95 teses, que é justamente as críticas feitas à teologia católica (com ênfase na soteriologia) diante das verdades bíblicas que analisou segundo a exegese de seu tempo. Essa característica de Lutero pode nos conduzir a grandes resultados hoje, num tempo onde muito do que se vê precisa de uma análise crítica e construtiva para uma possível mudança. Mas pra isso, tanto Lutero como nós precisamos de referenciais para servir de base nessa análise.

2. Busca por referenciais

Como já dito, Lutero era frade agostiniano e professor de teologia, e por sinal tinha grandes habilidades com as línguas originais da bíblia, que fez com que a sua busca por uma referência, ou ponto de partida para suas críticas o levasse sempre as Escrituras e o que dela proveio, como a doutrina apostólica.

Em 1516 enquanto Lutero dava aula sobre o livro de Romanos, Erasmo de Roterdã aproveita a nova tecnologia para lançar o primeiro texto impresso grego do Novo Testamento, o Novum Instrumentum Omne. Diz a história que Lutero quando tem contato com essa obra logo troca o livro-texto de suas aulas e passa a usar o Novo Testamento de Erasmo mesmo durante sua matéria de Romanos. Isso revela o esforço de Lutero para ensinar e interpretar a realidade conforme sua maior referência, as Escrituras. Também nos mostra que para Lutero estar de acordo com as Escrituras no exercício de criticar aquilo que não estava de acordo com ela era uma questão de prioridade, porque sabia a importância da Revelação de Deus como um ponto de partida para a vida humana. Quando Lutero descobre um texto que fazia mais jus aos originais da bíblia do que o texto da Vulgata, se vê na obrigação de usar o que mais faz sentido conforme seu ponto de partida revelado por Deus nas Escrituras.

Depois da exegese de seu tempo e a prioridade dada às Escrituras como fonte da interpretação da vida humana (principalmente na ordem religiosa) é preciso oferecer as soluções possíveis do resultado obtido.

3. Oferecer soluções coerentes

O espírito protestante de Lutero é exposto quando, na exegese de seu tempo e a obtenção do referencial necessário para a antítese bíblica, põe num outdoor medieval o que resultou dessas críticas. Justamente na data de 31 de outubro de 1517, que é a data que comemoramos os 500 anos de Reforma Protestante, Martinho Lutero fixa suas 95 teses na igreja do Castelo de Wittenberg, fazendo com que todo aqueles que lessem entendessem um contraste claro das doutrinas e práticas católicas com aquele seu compilado de teses. Mas é claro, a intenção de Lutero não vinha de uma motivação separatista, não era um racha na igreja sua proposta, ao contrário, tinha a ver com colocar a dogmática católica em posição de coerência com as Escrituras. O que Lutero fez, dentre muitas abordagens que podem ser destacadas, é também declarar que se existe um ponto de partida (as Escrituras e consequentemente a doutrina apostólica) para a vida humana, a igreja precisa ser restaurada de forma realista e coerente com ela. Portanto, em Lutero não havia uma distância intelectual para a vida prática, antes, sua vida intelectual o arrastava para uma harmonia das Escrituras como ponto de partida para a análise e vivência humana com a prática cristã pessoal e comunitária, individual e eclesiástica.

Com essas pistas do que pode ser definido como um espírito protestante, o que resta para nós é saber como podemos ser parte dessa reforma que começou no século XVI que não está nem perto de ser terminada. Como o lema da Reforma reforça, uma “igreja reformada, sempre se reformando”, portanto, o “espírito protestante” pode ser uma das grandes contribuições do grande reformador Martinho Lutero para nós que ainda o assistimos mesmo depois de 500 anos. A exegese do nosso tempo, com o correto ponto de partida — que é as Escrituras — e o esforço para soluções coerentes com ela, podem contribuir com a obra de Deus dando glória ao Único que merece.

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Tiago Melo

Quase doutor em Ciências da Religião, autor do livro Neocalvinismo e teólogo nas horas vagas.